Prerrogativa de foro e interpretação restritiva
O Plenário iniciou julgamento de questão de ordem em ação penal em que se discute o alcance do foro por prerrogativa de função.
O ministro Roberto Barroso (relator) resolveu questão de ordem no sentido de que (a) o foro por prerrogativa de função seja aplicado apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas e (b) a competência para processar e julgar as ações penais não seja mais afetada, após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para que sejam apresentadas as alegações finais, em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o que ocupava, qualquer que seja o motivo.
As ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia acompanharam o relator, e o ministro Marco Aurélio o acompanhou em parte.
O relator afirmou que a quantidade de pessoas beneficiadas pelo foro e a extensão que se tem dado a ele, a abarcar fatos praticados antes de o indivíduo ser investido no cargo beneficiado pelo foro de prerrogativa de função ou pela prática de atos sem qualquer conexão com o exercício do mandato que se deseja proteger, têm levado a múltiplas disfuncionalidades.
A primeira delas é atribuir ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma competência para a qual ele não é vocacionado. Nenhuma corte constitucional no mundo tem a quantidade de processos de competência originária em matéria penal como tem a do Brasil. E, evidentemente, na medida em que desempenha esse papel de jurisdição penal de primeiro grau, o STF afasta-se da sua missão primordial de guardião da Constituição e de equacionamento das grandes questões nacionais.
Como o procedimento no Supremo é muito mais complexo do que no juízo de primeiro grau, leva muito mais tempo para apreciar a denúncia, processar e julgar a ação penal. Consequentemente, é frequente a ocorrência de prescrição, que nem sempre ocorre por responsabilidade do Tribunal, mas por conta do próprio sistema.
Portanto, o mau funcionamento do sistema traz, além de impunidade, desprestígio para o STF. Essa impunidade faz com que o Direito Penal perca o seu principal papel de funcionar como prevenção geral.
O relator frisou que a situação atual revela a necessidade de mutação constitucional. Isso ocorre quando a corte constitucional muda um entendimento consolidado, não porque o anterior fosse propriamente errado, mas porque a realidade fática mudou, ou porque a percepção social do Direito mudou, ou porque as consequências práticas de uma orientação jurisprudencial se revelaram negativas. O ministro ressaltou, ainda, que as três hipóteses que justificam a alteração de uma linha de interpretação constitucional estão presentes na hipótese dos autos.
Consignou que a nova interpretação prestigia os princípios da igualdade e republicano, além de assegurar às pessoas o desempenho de mandato livre de interferências, que é o fim pretendido pela norma constitucional. Observou que viola o princípio da igualdade resguardar, com foro de prerrogativa, um agente público por seus atos praticados sem relação com a função para a qual se quer resguardar sua independência, porque é a atribuição de um privilégio.
Além disso, o princípio republicano tem como uma das suas dimensões mais importantes a possibilidade de responsabilização dos agentes públicos. A prescrição, o excesso de retardamento e a impunidade, que resultam do modelo de foro por prerrogativa de função, não se amoldam ao princípio republicano.
Segundo o relator, essa nova linha interpretativa deve aplicar-se imediatamente aos processos em curso, com a ressalva de todos os atos praticados e todas as decisões proferidas pelo STF e pelos demais juízos com base na jurisprudência anterior.
O ministro Marco Aurélio pontuou que a fixação da competência está necessariamente ligada ao cargo ocupado na data do cometimento da prática criminosa. Essa competência, em termos de prerrogativa, é única e não é flexível. Não pode, portanto, haver deslocamento para outra instância após eleição posterior.
Divergiu do relator apenas na parte em que determinada a manutenção da competência por prerrogativa de foro após o despacho de intimação para apresentação de alegações finais, se o agente público vier a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava.
Afirmou que, fixada a competência por prerrogativa de foro e considerado o liame entre a prática delituosa e o mandato, se o detentor da prerrogativa de foro deixar o cargo, ele passa a ter o tratamento reservado aos cidadãos comuns. Sublinhou que esse entendimento foi fixado no julgamento do Inq 687 QO/SP (DJU de 9.11.2001), quando foi revogado o Enunciado 394 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
Em seguida, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista dos autos.
AP 937 QO/RJ, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 31.5.2017 e 1º.6.2017. (AP-937)
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